Idarci Esteves
Este conto foi urdido com os fios de contação de histórias tão presentes em Curvelo, situada no meio de Minas Gerais, onde o “era uma vez” tem mítico prestígio, graças ao grande Guimarães Rosa que fez desse lugar, cenário de muitas narrações.
É nessa cidade que encontramos o senhor Afonso Lemos, homem refinado e pai de família numerosa, firme nas conversas recheadas de sabedoria, e, também, de muita fantasia para lidar com as dúvidas e aflições de pessoas que o procuravam para conselhos.
Sua opinião era respeitada e recebida como apoio emocional, além da garantia de privacidade. Tudo que fora dito ali, morreria ali.
Conta-se que ele, desde a infância, tinha um amor instintivo por inventar histórias fantásticas, claramente irreais.
E assim cresceu, casou-se e continuou dando asas à imaginação, carregando o espírito do maravilhamento em suas conversas, sobretudo, aquelas que precisavam de argumentações mais urgentes e fortes.
Certa ocasião, ele recebeu a notícia, de que Antônio das Graças, homem de hábitos simples, sem nenhum estudo, havia regressado de São Paulo, para viver com a família que deixara por um ano, enquanto tentava trabalho por lá para melhorar de vida.
Um mês depois do regresso, Antônio das Graças o procurou:
– Olha, seu Afonso. Estou abandonando de vez a família. Cheguei aqui e descobri que minha mulher está grávida, quase na hora da criança nascer. Essa criança não é minha. Fiquei um ano fora.
Afonso Lemos sem se perturbar, chamou Didi, sua mulher, e a filha caçula, Conceição. Mostrou a menina para Antônio:
– Está vendo esta menina? Ela nasceu de um ano e quatro meses de gravidez.
– Como assim, seu Afonso? Nove meses a criança nasce. Nunca ouvi contar isso.
– Não é comum, mas tem caso de a criança encruar na barriga da mãe, não é, Didi? A Conceição levou um ano e quatro meses pra nascer. Pode acreditar.
Didi só escutava o marido falar aquela barbaridade, sem desmentir. Não sabia se balançava a cabeça de cima pra baixo ou para os lados. Afonso continuou:
– Você já falou disso para alguém, tem mais gente que sabe?
– Não, não falei com ninguém. Estou com muita vergonha!
– Vai ver que sua mulher engravidou e você foi pra São Paulo sem saber disso. A criança encruou na barriga dela, não nasceu na época certa.
– Olha, seu Afonso! É uma coisa muito esquisita, mas se é o senhor quem diz isso, então eu volto atrás na minha palavra lá em casa.
Antônio das Graças retornou para sua casa aliviado. Mas Didi não se conteve:
– Agora quero só ver quando essa criança nascer. A mulher do Antônio estava de namoro com um homem negro.
Afonso não se perturbou.
– Aí, a gente inventa outra história.